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Renan Marcondes - no mundo realmente invertido

Por Josué Mattos

A sentença replicada parcialmente no título deste texto aparece em A Sociedade da performance: a integração consumada, livro que o artista Renan Marcondes publicou na ocasião de Fundo Falso. Completa-se conforme segue: a verdade é um momento do que é falso. Quebrá-la em vista de aproximações com os reajustes históricos, as montagens e injunções cabíveis ao tempo presente, concernentes ao ato de performar, equivale a experimentar o eixo que estrutura a exposição. Envolta em momentos de nebulosidade causados por inversões reais que estruturam verdades temporárias, leva a pensar em gestos e destroços embalados pelos outros românticos, residentes de mundos obscuros que cultuavam uma idade média futurista.[1]

 

Publicado no país do futuro, onde ideias medievo-futuristas são forjadas desde quando a verdadeira farsa da descoberta foi espalhada aos quatro cantos, o livro se torna outro recurso para investigações sobre perspectivas que definem o realmente invertido, em obras presentes na exposição. Ambas, Timeline e Voo profissional, recorrem a processos que especulam a temporalidade de verdades e falsificações, assim como a passagem de uma coisa para outra. Na primeira, um pássaro-homem lança-se ao vazio. Trata-se de autorrepresentação como meio de figurar o outro em si. Eleito o corpo do artista, que toma posse de verdades alheias e falsificações comuns, a imagem conjuga alienações e êxitos com a ideia de performatividade. Trata-se de um campo minado, extensamente ampliado desde quando Caetano retratou o "macho adulto branco sempre no comando", desempenhando sua performance em voos que encaram o outro de cima. De entrada, Yves Klein, em seu Salto no vazio (Saut dans le vide, 1960), aponta para o fato de que nada é permanente no voo, de modo que se faz necessário conhecer suas variações ao alçá-lo. A performance para foto destaca duas versões de vazios, tais como são acolhidas no idioma do artista. Vide e néant são vazios distintos. O primeiro, presente na obra do artista francês, é substância e pode absorver impactos. É vazio acolchoado. O outro recorre ao informe. É o infinito acolhendo o infinitesimal. Promovendo dois saltos, duas versões de vazios, Renan Marcondes apresenta dois pássaros em situações distintas. O primeiro triunfa, na altura dos olhos, em sua impecável aparição impressa sobre papel nobre. O outro, impresso sobre madeira, é acomodado no chão, encostado à parede.

 

Entendido como espaço poroso que esconde ideias em processo de fermentação, Fundo Falso altera enunciados, propõe diálogos diacrônicos com o verbete espetáculo, que deixa lugar à performance. Opta pelo trágico, a igual distância entre o otimismo e o pessimismo, conforme costuma dizer Michel Onfray. Consiste em colecionar o uso da palavra no cotidiano. Descontextualizada e impressa feito pele de arquitetura, aparece amontoada, de maneira a perder inteligibilidade. Em Estação 4: educativo para paredes, perde-se em seu uso excessivo: "a performance comparece como metodologia [...] a performance de fato se realiza, em geral, em locais alternativos [...] engajamento urgente com o trabalho da performance [...] equipe de professores de performance da graduação [...] essa mesma performance demonstrava um desejo e vitalidade de existência."

 

Performar não foge à ideia de Lenora de Barros ao espalhar a notícia de que procura a si mesma em meio a autorretratos realizados com distintas perucas, apetrecho que se assemelha ao bico de pássaro feito prótese, em Voo profissional. De fato, há modalidades de performances que reconhecem o gesto apenas depois do salto no vazio. Diferentemente de palavras que "parecem já preencher o que designam", conforme diz Jacques Rancière sobre levantes[2], performance, performar ou performer, sendo tudo, qualquer coisa e todos, constituem-se de movimentos antagônicos e definições com prazo de validade. Proliferam comunidades polarizadas e erguem sociedades inventadas com o auxílio do verbo espetacular. De modo que performar, no sentido de desempenhar, funcionar, executar, carrega "uma positividade indiscutível e inacessível", conforme dizia Guy Debord em La Société du Spectacle (1967). No livro de Renan Marcondes, no entanto, o verbo estabelece diálogo com figuras de horizontes variados, para quem é preciso "começar pela negação" ou, ainda, "não é mais possível fazer performance" no sentido mencionado acima. Aliás, propõem: "se vocês desejarem, podemos passar para uma discussão", antes que o sono seja interrompido e, ao acordar, descobrimos "que um sonho se transformou no pior dos pesadelos". Vale considerar, nesta montagem, o procedimento de substituição cabível ao Inominável (1949), de Samuel Beckett, no qual o espetáculo também poderia dar lugar à performance, em trechos como: "espera-se que isso comece, a performance obrigatória, é demorada, ouve-se uma voz, talvez seja um recital, é isso a performance, alguém que recita trechos escolhidos, testados, certos, uma matinê poética [...] é isso a performance, não se pode sair, tem-se medo de sair, noutro lugar talvez seja pior, você se arranja como pode, apega-se à razão [...] é isso a performance, esperar a performance, ao som de um murmúrio [...] e onde estão os outros espectadores, você não tinha notado, na tensão da espera, que está só a esperar, é isso a performance, esperar só, no ar inquieto, que isso comece, que alguma coisa comece, que haja outra coisa além de você." Cabeças solitárias performáticas, sociedade acefálica exigente, uma à espera da outra. Resultado, meta e prazo, eis o roteiro de performance.

 

O desempenho performático de Timeline, suas colagens e o horizonte de testemunhas do ver sem ser visto, ou do não visto com os olhos abertos, narram o que René Char comenta: "se o homem não fechasse soberanamente os olhos, acabaria por não ver mais aquilo que vale a pena ser olhado.” Alinhados pelos olhos, dissecam o outro, perseguem a si mesmos como imagens dilaceradas. Declaram que a alteridade muitas vezes é vítima da retórica performática. Encontros de Jackson Pollock com Tarsila do Amaral, do Papa a receber Andy Warhol, de Loie Fuller com o rosto de Madonna, ao mesmo tempo que o corpo de Flávio de Carvalho recebe um rosto anônimo, formam a gramática díspar da exposição. Não por acaso há espaço no livro de artista com a seguinte indicação: seu rosto aqui. Figurar a capa do livro em que cada página dupla reproduz a obra Sin título. Saturno devorando a su hijo (Sem título. Saturno devorando seu filho), que Goya produziu nas paredes da Quinta del Sordo (Casa do Surdo), consiste em transformá-la no que representava o espelho para Eduardo Galeano. Cheios de gente invisível, que vemos ao nos vermos refletidos. "Quando nos vamos, se vão?"— pergunta.

 

Performar implica considerar o desmanche do ato enquanto atuamos, tal Following Piece (1969), realizada na ocasião de Street Works IV, em Nova Iorque. De fato, para Vito Acconci, tratava-se de estabelecer relações subjetivas e subjuntivas completadas no ato de seguir a si mesmo, à procura daquele que desconhece. Neste quadro, as hipóteses e variações da busca consistiam em seguir o outro, deixar-se levar pelo enigma que o carrega, interrompidas quando este chegasse a um espaço privado. Em Peça de perseguição (2018), Renan carrega partes de alguns experimentos que se encerram enquanto atuam: espera o encontro com o múltiplo de si, presente em Procuro-me (2001), persegue o estranho à maneira de Acconci até que esbarre com sua selfie postada na web, o mesmo que ocorria em 1928, quando Claude Cahun realizava sua fotomontagem Que me veux tu, apavorada com o estrangeiro habitado em si mesma.

 

Enquanto Joseph Beuys testemunha as investidas dos dançarinos de Yvonne Rainer, parece possível ouvi-los repetir seu não manifesto manifestando-se na performance Estação 4: educativo para paredes: "No to spectacle. No to virtuosity/ No to the heroic. No to the anti-heroic." Não longe dali, Gillian Wearing replica o lema de Hélio Oiticica como que a procurar a si mesmo: seja marginal, seja herói. Óculos ambulantes lixam paredes, quem sabe para retirar a catarata da prótese que, sabe-se lá quando, foi neles embutida. O olho que não vê pretende lixar, rasgar a superfície. Aqui vale mencionar o que William Kentridge comenta sobre seu filme anamórfico What Will Come (Has already Come) - O que virá (Já veio) (2007): "me interesso por máquinas que nos conscientizam do processo de ver e nos conscientizam do que fazemos quando construímos o mundo por meio do olhar."

 

Talvez resida nesta conscientização do olhar o que Fundo Falso provoca com seus óculos ceguetas. A lenta esfoliação da parede revela a tragédia de ouroboros a comer o próprio rabo. Lixá-la com próteses embutidas aos olhos sugere que retiremos a palavra performance enquanto performamos. Com a visão ofuscada pelo equipamento inventado para aprimorá-la, quando deficiente, ou para protegê-la, quando exposta à excessiva luz, — outro fator que também provoca cegueira —, o gesto equivale a morrer e respirar simultaneamente. O verbo substantivado nos textos, conjugado no ato, indica, inversamente, que a verdade está contida no resultado da ação. Por isso imagens geradas de performances dependem do olhar daqueles que a assistiram, mas não viram nada. Ou daqueles que apenas a verão como imagem. No fundo, falso ou verdadeiro, o que conta é performar para a imagem. Por isso a expectativa por espectadores para cada gesto acometido no trivial segue preenchendo linhas do tempo. Esperas, calúnias, buscas, difamações, o velório como performance, a celebração como rito de passagem rumo aos super poderes do sujeito pássaro em seu voo rasante e fugaz. O Caetano de 1989 é urgente: "reconhecer o valor necessário do ato hipócrita" diz muito sobre o que nos falta.  

 

[1] Caetano Veloso. "Outros Românticos". (Álbum O Estrangeiro), 1989.

[2] Jacques Rancière. "Um levante pode esconder outros". (Cat. Expo.). Levantes. São Paulo: Sesc Pinheiros, 2017, p. 63.

Renan Marcondes

Por Julia Lima

Renan Marcondes é um artista que pesquisa os desdobramentos de seu próprio corpo em performances e instalações, objetos, desenhos, vídeos e inúmeras outras materializações. Essas explorações do corpo podem partir de sua própria carne ou de corpos alheios. Coreografias e obras teatrais que demandam extensas pesquisas também fazem parte de suas investigações, ora com resultados que envolvem a interação dos espectadores e a colaboração em peças que se constróem com o tempo, ora em formatos mais tradicionais em configurações de palco e público.

 

Há um aspecto paradoxal no trabalho de Marcondes – a presença de elementos precisos como a matemática e o desenho técnico, objetos cotidianos e aparatos inanimados contrasta com a organicidade dos assuntos e sujeitos das obras, que acabam misturando a razão, o pensamento cartesiano e a lógica com a fisiologia e as habilidades motoras do corpo. “Exercícios para Retornar”, por exemplo, são desenhos feitos por uma das mãos do artista, enquanto a outra mão apaga sucessivamente. Já em “Estudo contínuo de reprodução”, o artista imprime fluidos corporais e pressiona partes do corpo sobre uma faixa de papel milimetrado para, depois, reproduzir em desenho, em outra faixa de papel, essas marcas e registros, exibindo ambas as faixas lado a lado.

Há também trabalhos em que o artista explora os limites corporais, criando dispositivos que podem ser “vestidos” ou portados – por ele ou pelo espectador – e que alteram os funcionamentos e funcionalidades dos membros. Esses objetos quase-esculturais são frequentemente criados para uso em conjunto com um ou mais parceiros, desafiando não apenas a gestualidade de um corpo mas obstruindo a proximidade, a intimidade e as possibilidades de encontro.

'Protetores de Proximidade Humana' de Renan Marcondes

Por Marcio Harum

Na sala expositiva de "Protetores de Proximidade Humana" de Renan Marcondes, em um primeiro instante, quatro singelos pequenos desenhos de projeto emoldurados fora de lugar atraíam contra a parede a atenção do olhar mais atento. Talvez fosseeste apenas um gesto intencional do artista, o de tentar desmontar a seriedade dos trabalhos em exibição.Aparentemente, a mostra montada tal qual uma simétrica divisão celular entre dois núcleos, apresentava em ambos os lados, cada qual o seu conjunto com objeto, vídeo e texto.

 

Com o vigor que esta pesquisa artística irrompeu no espaço e foi aberta ao público, o que deve ser dito por agora é que o artista pode trazer enfim um pouco mais de claridade ao campo das artes visuais. O exercício praticado por Renan Marcondes denota um profundo interesse no estudo acercada interceção das artes cênicas, da performance e dança; aliadas a palavra (ou a ausência dela), a escultura como objeto e a imagem do corpo em movimento. Longe de parecer uma cenografia, o artista lidou com a área como se fosse um orgão vital em pleno funcionamento, fazendo as vezes de um diretor de cena.

 

Através da percepção de vulneráveis links afetivos de nossa vida coletiva online, este trabalho nos exige lidarcom a indagação acerca da desimportância forçada de como a imagem do(s) outro(s)é inconsequentementetratada por nós mesmos, sem qualquer controle ou mediação alguma por parteda mídia ou das redes sociais da atualidade. Ouso de aplicativos digitais para encontros casuais, sexuais e amorosos, convoca seus usuários a valerem-se sempre de máscaras desconhecidas e novas personas, pois o que é visto, editado, retocado e até mesmo admirado narcisisticamente, équase sempre o momento de envio dosprópriosselfies e nudes. Este específico estado de espírito da humanidade tem formado anonimamente um número incalculável de coleções de autorretratos Frankenstein, absolutamente dispersos e fragmentados.

 

Em meio ao sistema de arte, um acontecimentorecente impulsionado via internet nos tem cobrado a refletir bastante. Fez-se necessariamente urgentetermos umapausa para pensarmos a retomada,se não da autoimagem, mas sim, que seja então, das imagens geradas legitimamente pelos trabalhos de arte. Em 26 de setembro de 2017, durante a abertura do 35o Panorama da Arte Brasileira no MAM-São Paulo, com curadoria de Luiz Camillo Osório, o artista Wagner Schwartz propôs a reapresentação de sua performance La Bête (2015), no qual manipulava nu uma réplica de plástico de uma das esculturas da série Bichos (1960), de Lygia Clark (1920-1988). O objeto permitia a articulação das partes de seu corpo por uma estrutura de dobradiças. Como o público era convidado livremente a participar, e pais e filhos estavam presentes, foram sendo publicadas ali mesmo em tempo real diversas imagens da ação nas mídias sociais. De forma insustentável, a propagação destas imagens por quem não as viu presencialmente, e sem um discernimento crítico mínimo para a compreensão dos fatos, tornou impossível associá-las sem o contexto a que verdadeiramente se referiam. O que vimos ao fim foi uma desprezível comoção com aspectos de caça `as bruxas,acusações de pedofilia contra o museu, e o que de mais pesado forjou-se foi um sentimento destrutivo comum incitadoentrevários simpatizantes de grupos de filiação político-partidária de extrema-direita. Por mais esta violenta reação descabida de boicote e censura movida por entre densas camadas de falso moralismo contra uma renomada instituição museológica do país, nestes tempos de enrijecimento do discurso conservadorda sociedade brasileira, e motivado pelo clamor da manipulação do business religioso com gana de poder, quando ataques proto-fascistas tem sido direcionados novamente depois de décadas contra obras de arte, artistas, curadores, museus, e seu público -é imediato o nosso reposicionamento.Desde já, temos que ser mais corajosos, unidos e solidários uns com os outros em todo e qualquer planejamento, programação ou evento de expressão cultural, artístico e educativo - a ser realizado por nós - ou que esteja ao nosso alcance.

 

A exposição 'Protetores de Proximidade Humana' de Renan Marcondes evocauma noção inconsciente e elementar por excelência - o que parece injustamente estar sendo deixada ao esquecimento nos dias de blindagem de hoje;a busca incessante de se manter mais proximidade entre os seres e menos frieza, medo e distância entre os corpos. Além de enriquecer a vida cultural e artística por onde quer que passem, com o que falem ou o que façam,há sem dúvidanenhuma no processo de criação deste trabalho uma concentração de energia trocada entre pessoas que participaram, e que também colaboram de uma maneira viva, direta e elástica do compartilhamento libertário de conhecimentos e sentidos sobre a pluralidade do movimento dos corpos. E por esta razão, entre outras evidentemente, é que o êxito deste projeto premiado na Temporada 2017 do Paço das Artes foi altamente merecido.


 

São Paulo, setembro de 2017.

Como siento Renan Marcondes

Por Sofia Bauchwitz

“Pero en realidad, la cosa, como cosa, sigue estando descartada, sigue siendo algo nulo y, en este sentido, está aniquilada. Esto ocurrió y ocurre de un modo tan esencial, que no es que a las cosas ya no se les permita ser cosas sino que las cosas todavía no han podido aparecer nunca al pensar como cosas.” Martin Heidegger

 

La danza de Renan Marcondes nunca es en solitario, está siempre acompañado de cosas. Cosas cargadas de las circunstancias de sus usos, cargadas de los recuerdos de los cuerpos que las crearon y usaron, así como del recuerdo de su utilidad. Muchas tienen una función clara que difícilmente se separa de lo material, una ergonomía perfectamente adecuada al cuerpo humano o una justificativa de ser en el espacio. Pero otras son solo cosas que son, que están ahí, habitan, justamente, la circunstancia de su cosidad. Parte de nuestra capacidad humana es atribuir simbolismos y valores a las cosas que nos rodean, que nos hacen compañía. Les regalamos nombres. Lápiz. Estaca.

Lo que hace Renan Marcondes es, justamente, inventar nuevas circunstancias para las cosas, circunstancias que permiten que estas cosas sean todavía más lo que son: cosas como cosas que se habitan como tal. No es fácil entenderlo, pero si ves a un cuerpo transmutarse en el punto de equilibro entre un ojo cerrado y la punta de un lápiz, entenderás que es ese punto de tensión que destruye el lápiz y lo hace soporte o prolongamiento de ese otro ser, que es Renan.

En su Hipótese para a construção, Renan Marcondes inventa nuevas relaciones espaciales entre cuerpo-objeto-tiempo. Como casi todas sus acciones hay una dilatación del tiempo, en que la gravedad nos parece más potente, así como la piel humana más frágil y los objetos más incisivos... La tensión acaba cuando algo se cae, algo se rompe o es destruido, o porque el cuerpo decide separarse de la cosa. La cosa es algo muy bonito de ver cuando aparece.

Renan, en sus escenografías trabajadas en detalles, dibuja escenas y micro escenas, donde cada rincón del espacio guarda un movimiento o un discurso, que podemos intentar repetir – hay instrucciones. Dibuja y apaga. Pero usa la mano izquierda. Aunque no sea zurdo, le gusta practicar su fragilidad, su desequilibrio, su espacio en cuanto cuerpo-que-soporta. Practica la suspensión temporal. Es un objeto, un animal, un color. Es un texto. Cambia de circunstancias y propone que nosotros, como observadores o partícipes de sus escenas, cambiemos la nuestra también.

Como um Jabuti Matou uma Onça e Fez uma Gaita de Seus Ossos es un proyecto complejo donde se mezclan actores, bailes, música y texto. Vemos a Renan Marcondes leer un texto teórico, seriamente sentado en una mesa que le separa del público. La lectura académica es interrumpida para dar lugar a otro cuerpo diferente, el del performer, un cuerpo con otra densidad, otro propósito. Este entra en el escenario para realizar ejercicios breves o largos, que acaban por destruir y reinventar el gesto.

Me gusta que el tiempo del espectador se extienda junto al ritmo lento o rápido del performer, en el despropósito aparente de sus acciones. En vez de crear una tensión incómoda, en la cual la ansiedad domina el cuerpo del público, Renan cautiva la mirada y la retiene atenta a cada pequeña transformación en el espacio. Así, en Como um Jaboti Matou… hay una renovación de estados de ánimos con cada nuevo entrada de un cuerpo en la escena, sea este el del orador o del bailarín. Y una renovación en el ánimo implica un cambio sutil en la composición corporal de cada uno que ve la pieza, cambios infra-leves.

El punto de tensión de Renan Marcondes se concentra en la cabeza vacía de la aguja, en la baba que escurre, en el lápiz que no hiere el rostro, en el caos ordenado. No en vano, el clímax de Um instante anterior à extrema violencia no es ver a esos dos cuerpos que casi no se tocan por aproximadamente 2 horas, sino el objeto robótico en forma de conejito saltante que recorre el espacio con  una canción de Legião Urbana de fondo. Es la transformación de la cosa en objeto o máquina que separa el antes y el después de la violência.

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